Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A história dramática (que até hoje desconhecia) da minha querida amiga Elsa Torres...



Casei com um muçulmano

Durante dez anos, Elsa Torres foi proibida pelo marido de sair de casa, de conduzir ou de estender a roupa, porque poderia ser vista por outros homens. Desde que se mudou para a Argélia, onde casou com um muçulmano, a sua vida transformou-se num pesadelo. Fugiu e hoje recorda a sua história, mas não dá razão a D. Policarpo quando este diz que é um perigo casar com um muçulmano. Faria tudo outra vez...

Quanto é que quer pela sua filha?', perguntou Mustafa, com o à-vontade de quem convida alguém para tomar uma chávena de chá. Já tinham passado dois meses desde que o argelino tinha conhecido Elsa, no hall de um hotel, em Lisboa, e não tinha a mínima dúvida de que era ela a mulher com quem queria casar. Por isso, avançou com as formalidades.

A pergunta apanhou o pai de Elsa desprevenido. Sabia que o argelino estava interessado na filha, mas como é que lhe ia explicar que não era ele quem lhe escolhia o marido ou que Elsa, na altura com 20 anos, não estava à venda. 'Conheci o Mustafa na véspera de Carnaval e como era piloto, como o meu pai, trocaram contactos. O meu pai gostava imenso dele e teve muita dificuldade em explicar-lhe que não havia dinheiro no Mundo capaz de me pagar. Ele não percebeu e continuou a oferecer mais camelos, mais cabras e ouro pelo meu dote', recorda Elsa Torres, que hoje, aos 47 anos, se ri ao reviver a história que lhe toldou a vida.

Aceita o destino com a naturalidade de quem não pode alterar um romance cujo final já está escrito e, mais, não se arrepende de uma vírgula que lá foi posta. Do casamento resultaram dois filhos, que a enchem de orgulho. Faria tudo outra vez. 'Se não me tivesse cruzado com o Mustafa, a minha vida seria diferente, mas cada um nasce com a vida traçada'.

O pedido de casamento estava a ser levado cada vez mais a sério. Apesar de estar longe de se sentir apaixonada, Elsa começava a achar piada ao homem que tinha conhecido no Carnaval e a pergunta 'porque não?' estava a fazer cada vez mais sentido na sua cabeça, quando finalmente tomou a decisão: iria casar com Mustafa e mudar-se para a Argélia. 'Estava a tirar o curso de Relações Internacionais e achei que poderia ser uma boa oportunidade para mim', lembra Elsa, que não mediu as consequências de uma mudança para um país árabe.

O mês de Outubro anunciava os primeiros dias frios de Inverno quando Elsa deixou Lisboa, com dois malões enormes, rumo a Paris. Era lá que se ia encontrar com Mustafa antes de seguirem viagem para a Argélia. Na bagagem levava roupa, que nunca viria a usar, parte do enxoval e... um certificado de virgindade, passado pelo médico de família, a única coisa essencial para quem vai dar o nó com um argelino. 'Como sou europeia, tinha de levar o certificado. Na altura, fartei-me de rir e não liguei, porque os primeiros tempos foram fantásticos. Era tudo muito romântico e eu já acreditava que ele era um príncipe', explica Elsa que, quando aterrou em Argel, conheceu um Mustafa completamente diferente. 'No aeroporto, já não andávamos de mãos dadas e não me apresentava aos amigos. Parecia que era invisível. Foi assim até chegarmos a casa.'

A casa era ocupada pelos futuros sogros de Elsa, Mustafa e os seus sete irmãos. Gente suficiente para que, nos primeiros tempos, a noiva do argelino se sentisse um verdadeiro animal de circo. 'De cinco em cinco minutos, havia mulheres a ir lá a casa para me visitar. Os homens, claro, é que não me podiam ver. Isso era das coisas que mais me irritava, pois, se um homem fosse lá a casa, eu tinha de me fechar no quarto durante o tempo em que ele lá estivesse.'

Desde o início que Elsa teve a certeza de que não ia conseguir passar o resto da vida na Argélia. Era irreverente e a mesma rebeldia que a tinha feito deixar o seu país para alinhar nesta aventura rapidamente poderia funcionar no sentido inverso. A ideia de uma eventual fuga começou a ganhar contornos quando o marido lhe disse que não poderia sair de casa. 'Para mim, que estava habituada a ir tomar café e a sair para passear, não poder ir à rua era um castigo. Viver na Argélia tornou-se um pesadelo.'

O castigo foi, inicialmente, superado com os preparativos para o casamento. Faltava pouco mais de uma semana e ainda havia muita coisa para aprender: nomeadamente, a dança do ventre e a cozinhar cuscuz. Foi tudo o que lhe explicaram em relação ao grande dia. Talvez por isso, Elsa não tenha percebido porque é que, durante três dias, nunca chegou a ver Mustafa, num cenário que em nada se parecia com o de um casamento. 'Só no último dia é que ele veio ter comigo e disse: ‘Já está’. Ao que eu respondi: ‘Não, não está! Onde é que entra aquela parte em que me dizes que tens de ser fiel e amar-me para o resto da vida?’. Ele riu-se e disse-me: ‘Rapariga, aqui não é assim’, mas aquilo não me saiu da cabeça', lembra.

O momento que se segue é de grande embaraço para Elsa, que ainda hoje cora ao recordar a noite de núpcias. Imaginava qualquer coisa de parecido com uma lua-de-mel de filme, mas o que lhe estava reservado era mais parecido com uma situação saída de um de terror. A poucos metros da porta do quarto onde ia ter a primeira noite de amor com o marido, estava uma multidão de familiares ansiosa por ver o lençol... manchado de sangue. 'Foi muito embaraçoso. Fiquei tão envergonhada, mas era a consumação do acto.'

As restrições aumentavam de dia para dia e, quando Elsa foi proibida de ir à janela, só porque os homens a poderiam ver, achou que estava na altura de fazer alguma coisa: inscreveu-se na embaixada portuguesa e arranjou um trabalho. 'Eram os meus únicos momentos de convívio, porque, de resto, só via o Mustafa ou a família. A minha mãe até dizia que eu tinha sempre um Pastor Alemão a tomar conta de mim'.

O trabalho na embaixada fazia com que Elsa suportasse a dura disciplina do marido e ajudou-a, inclusivamente, a nível pessoal. Depois de, passados cinco meses do casamento, ter engravidado, Mustafa esperava que a família crescesse sempre que fosse possível, mas Elsa arranjou maneira de contornar a situação. 'Já tinham passado quatro anos e o Mustafa dizia que as pessoas comentavam que ele não era um homem a sério, porque só tinha uma filha. Como achou que era devido ao stress do trabalho que não engravidava, obrigou-me a ir para casa. Engravidei logo, pois tomava a pílula às escondidas, na embaixada. Se ele pensava que ia ter um filho todos os anos estava enganado', disse, recordando ainda que o segundo filho nasceu de sete meses por imposição do marido. 'Como nos dois últimos meses de gestação não havia mulheres de escala na maternidade, ele marcou o parto para o sétimo mês. Por um homem é que eu não podia ser assistida.'

Farta do panorama, dez anos depois de ter entrado na Argélia, Elsa preparou a fuga tão bem que, durante uns meses, o marido lhe perdeu o rasto. Numa altura em que Mustafa passou mais tempo no estrangeiro, Elsa deu seguimento à fuga. 'Deram-me um passaporte falso, na embaixada, e, com a ajuda da minha cabeleireira, consegui arranjar boleias e casas para pernoitar até chegar à fronteira, onde a minha mãe já estava à minha espera. Estava tão mal que, quando chegámos a Portugal, desmaiei.'

O pesadelo de Elsa terminou há 20 anos. Desde então mantém uma relação civilizada com o ex-marido. 'Ainda fiz várias tentativas de resgate dos meus filhos, mas foi ele quem mos devolveu, aquando dos bombardeamentos na Argélia. Agora damo-nos bem e não me arrependo de nada', diz. E o ex-casal segue, inclusivamente, um ritual. 'Sempre que fazemos anos de casados, o Mustafa manda-me uma mensagem romântica e eu ligo-lhe na data em que fugi.'

EM COMA DURANTE 23 DIAS

Durante uma rara ida ao mercado, em Argel, Elsa deixou que o crucifixo, que usava por debaixo da camisola, ficasse à vista e o pior aconteceu. “Apercebo-me da situação e só vejo uns senhores, com alguma idade, virem direitos a mim. Levei uma sova tão grande com sacas de batatas que fui para o hospital inconsciente. Estive 23 dias em coma, só porque pensavam que eu era árabe e que estava a usar um símbolo católico”, recorda.

SEM ESTADO CIVIL

Apesar de se ter conseguido divorciar de Mustafa – que já refez a sua vida – os papéis do divórcio nunca chegaram às mãos de Elsa Torres. “Assim que me casei, em Portugal ficou logo registado o meu novo estado civil, mas quando foi o divórcio isso não aconteceu. Já fiz imensos pedidos, mas até agora continuo sem estado civil. É por isso que no meu Bilhete de Identidade não diz que sou casada nem divorciada. Tem uns tracinhos no sítio onde deveria estar escrito o estado civil”, comenta, acrescentando que o BI já a fez passar por situações embaraçosas. “Sempre que preciso de o mostrar, a pergunta é recorrente. Respondo que sou divorciada, mas as pessoas ficam confusas e não sabem bem no que hão-de acreditar.”

in CM online, 25-01-2009

Nota do editor deste blogue (ainda em estado de choque):

A Elsa M. M. Torres (ainda sei o seu nome completo de solteira), foi minha colega na escola preparatória e secundária (o irmão, tinha sido meu parceiro na escola primária)...foi uma amiga que marcou muito a minha adolescência...quando perdi o meu pai (1975), tinha eu 17 anos, foi no seu ombro amigo que chorei desesperadamente...depois, com a separação dos pais, saiu da Apelação/Sacavém/Loures e foi morar com a mãe para Cascais (1980, talvez)...trocamos correspondência durante alguns anos...sempre nos tratamos por primos, sem o sermos...rs...numa dessas missivas disse-me: "querido primo conheci um piloto argelino com quem vou casar e vou viver para a Argélia...depois...durante uns anos perdi o contacto com ela...mais tarde recebo uma carta (talvez em 1990) onde me informou que vivia em Faro...percebo agora que foi para lá viver após a fuga da Argélia...já tinha um casal de filhos, tal como eu...curiosamente com nomes começados por S, tal como os meus, dizia ela na missiva com graça...prometi ir visitá-la quando fosse ao Algarve, mas...entretanto vim viver para o Ribatejo e a promessa ficou por cumprir...perdemos o contacto...hoje leio esta notícia...nem queria acreditar...

Alberto João

2 comentários:

Unknown disse...

Antes de mais,se me for permitido gostaria de fazer uma pequena grande correccão, acerca do que foi publicado no jornal C.M. e que já tive a oportunidade de desmentir num programa de televisão.
Onde se lê Elsa NÃO CONCORDA com a frase de Dom Policarpo, deverá ler-se Elsa CONCORDA, alíás tive até o cuidado de explicar que esse mesmo conselho "meninas pensem bem antes de casarem com um muçulmano etc etc " me foi várias vezes dado por familiares e amigos. E quando digo que voltaria a fazer tudo de novo, refiro-me apenas ao aspecto de fugir e se necessário voltar lá para raptar os meus filhos. Existem pormenores bastante mais relevantes e pertinentes que foram omitidos neste documentário.

Nem sequer sabia da existência deste artigo na net,e graças a outro amigo a quem desde já fico eternamente grata , fui informada da existência do mesmo e , quem sabe vou reencontrar o meu grande amigo Alberto João. Fiz enumeras tentativas e nenhuma delas surtiu efeito, assim sendo, agradeço a vossa colaboração.
Cumprimentos,
Elsa Torres

Alberto João disse...

Querida Elsa,

:)))

Saudades.

Sou o editor deste humilde blogue.

O meu e-mail: albertojoao@sapo.pt

Alberto João

Contador, desde 2008:

Localizador, desde 2010:

Acerca de mim

A minha foto
"Horta do Zorate" é um blogue pessoal, editado por Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo, fazedor desencostado, em autoconstrução desde 1958.