Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CARTA À MULHER QUE VOU LEVAR PARA A CAMA

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«Fornicar é uma ordinarice. É o sexo pelo sexo, o corpo pelo corpo, o suor pelo suor. Sem a magia da comunhão, sem a intensidade emocional da emoção do fundo, da emoção que vem das veias como o grito vem da garganta. Fornicar sabe a carne na carne, a reles pénis em reles vagina. Fornicar é dois corpos que se esfregam. Uma masturbação assistida. Uma partilha insistida.

A mulher que vou levar para a cama – sim, tu – não me vai fornicar. Não vai porque eu não deixo. Lamento. Não deixo. Se fores a mulher que eu vou levar para a cama tens de ser mais do que fornicadora, mais do que especialista em sexo, mais do que a melhor sexoralista do mundo, mais do que a melhor orgasmista do mundo. Se fores a mulher que eu vou levar para a cama vais perceber que fornicar não existe. Fornicar-me não existe. Fornicar, quando fornicar é tudo o que dois corpos que se embraçam fazem, sabe a nada. Continuas sem entender nada?

Mais uma vez: se me queres fornicar, se só me queres fornicar e nada mais do que fornicar-me, quando me levares para cama é certo que não me vais levar para a cama. Fornicar é um amor coxo. Um amor manco. E das duas pernas - ou das duas bolas. Fornicar nem sequer é amor, nem sequer é amável. Fornicar consiste em trocar a mão no sexo pelo sexo que está mais à mão. Desculpa – mas não.

Fazer amor é uma seca. Um tédio. Uma canseira psicológica. É sempre mais do mesmo. Um abraço aqui, um beijo ali, um “amo-te” aqui, um “também te amo” ali. Há carinho, há ternura, há partilha, há cumplicidade. Mas é poucochinho. Coisa pouca quando se pretende o êxtase. Fazer amor é uma seca. Fazer amor, quando tudo que se faz na cama entre dois corpos é fazer amor, é um aborrecimento, uma imensa sensaboria. Se aquilo que me queres fazer, quando me levares para a cama, é amor, daquele que se faz de só carinho, de só ternura, de só cumplicidade de afectos, então garanto-te que não me vais levar para a cama. Não vais. Lamento. Não vais. Fazer amor, para mim, na minha cama e em todas as camas que são minhas (e são minhas, naquele exacto instante que tem de durar para sempre, todas as camas em que eu me deito com outros corpos que se deitam), não existe. Não existe só candura, não existe só o “amo-te tanto” e o “és tão lindo e tão amoroso e tão querido”. Muito menos existe o “és tão fofinho”. Fofinho mas é uma merda. Fofinho é tão pequeninho que até me apetece ir-te ao focinho. Fofinho mas é uma merda. Eu não sou fofinho, não quero ser fofinho e tenho asco de quem é fofinho. Fofinho é um nojinho. Comigo não vais fazer amor. Podes tirar daí o cavalinho da chuva. E podes, já agora, montá-lo também – que daqui não levas nada. Tchauzinho.

Fazer amor é uma treta. Uma engonhice, uma trambiquisse. Fazer amor é uma treta e uma engonhice e uma trambiquisse como fornicar é uma treta, uma engonhice e uma trambiquisse. Fazer amor é uma seca como fornicar é uma seca. Manda fornicar o fazer amor. E manda fornicar tudo o que seja só fornicar. Fornicar por fornicar é simplesmente ficar. E ficar – és tão parvo que ainda nem tinhas olhado bem para a palavra – é não sair do sítio. Estar ali, quieto, a sentir mais do mesmo. E menos do mesmo. À medida que vais fornicando vais-te fornicando. E à medida em que vais fazendo amor vais desfazendo amor. Desfazendo-te – e a quem amas – em amor. Todo o amor se dissolve em esperma. Comigo, anota aí e põe-te a milhas, não vais fornicar. Comigo, anota aí e põe-te a milhas, não vais fazer amor. E agora anota sobretudo o que aí vem, meu amor.

Fornicar amor. É isso, e só isso, que vais fazer comigo quando me levares para a tua e para a nossa cama – e é sempre de dois a cama em que dois se fazem assim: como assim tem de ser. Fornicar amor. Até á última gota fornicar amor. Nem fornicar nem fazer amor – fornicar amor. Fornicar-te como à mais prostituta das prostitutas. E amar-te como à mais única das amadas. Fornicar amor. Chamar-te pêga e dizer-te amo-te, espancar-te o sexo e afagar-te o beijo. Ser o doce e a fera - a treva e o raio. Fornicar amor. E só assim, entre um grito e um afago, fornicar-te com amor: fazer-te amor.»


Texto de Pedro Chagas Freitas
in jornal "Notícias de Guimarães", 07-10-2011
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"Horta do Zorate" é um blogue pessoal, editado por Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo, fazedor desencostado, em autoconstrução desde 1958.